06 out 2011

Fatores que afetam a eficiência reprodutiva de vacas leiteiras: Produção de leite

Desde 1950, tem-se notado um crescente aumento na produção leiteira, reflexo da melhor eficiência da atual vaca produtora de leite. Este animal é altamente especializado e vem sendo selecionado há décadas com intuito de alcançar maior produção diária e produção por lactação possível. Por outro lado, nota-se que há uma tendência de declínio da eficiência reprodutiva nestes rebanhos leiteiros modernos de alta produção. Essa queda pode ser decorrente de inúmeros fatores, mas certamente guarda uma forte relação com o nível de produção leiteira dos animais. Esse artigo será dedicado a expor alguns trabalhos que mostraram de forma mais clara como o nível de produção de leite pode afetar as características e respostas reprodutivas dos animais. Alguns estudos ao redor dos anos 90 já passaram a evidenciar os reflexos da especialização leiteira e do aumento da produção de leite dos rebanhos sobre certos parâmetros reprodutivos. Em um deles, foi observado que animais que apresentavam produção acima da média do rebanho tinham maior intervalo entre o parto e a primeira detecção visual de cio (76,9 ± 7,5 dias vs 46,8 ± 4,6 dias). Em outro, foi evidenciado que vacas de maior produção leiteira apresentavam sinais menos evidentes de estro. Porém, alterações nestas características (porcentagem de manifestação de estro e/ou intensidade dos sinais de estro) não foram evidenciadas em alguns estudos nos quais foram comparados animais de baixa e alta produção. Essa discrepância entre estudos pode estar relacionada à quantidade de animais observados e à metodologia empregada. Muitos desses estudos, por exemplo, levaram em consideração a produção de leite total da lactação ou de um longo período e tentaram correlacioná-la ao comportamento de estro de um período pontual. Além disso, foi utilizada a observação visual de cio duas a três vezes por dia, que é um método que pode levar a vários erros. Com base nesses pontos de conflito, um novo estudo foi delineado com o intuito de minimizar os possíveis efeitos destes fatores na geração dos dados. O objetivo desses pesquisadores foi de determinar se havia uma real associação entre o nível de produção leiteira nos dias próximos à expressão do estro e a duração do estro em vacas em lactação. Para isso, um sistema de radiotelemetria (HeatWatch) foi implantado. Neste sistema cada animal recebe um dispositivo o qual possibilita o monitoramento de monta 24 h/dia, registrando a quantidade de montas, a duração de cada monta e o horário exato em que o animal recebeu a primeira monta. Ainda, nesse estudo, a produção de leite dos 10 dias anteriores ao estro foi utilizada para classificar a vaca em diferentes níveis de produção e correlacionar esse dado às informações relativas ao estro. Os resultados evidenciam uma forte relação entre o nível de produção leiteira e a duração do cio.

Figura 1. Duração do cio (h) de acordo com níveis de produção de leite nos 10 dias anteriores ao cio (Adaptado de Lopez et al., 2004). Além disso, mesmo em animais de alta produção (média de 39,5 kg de leite por dia), foi possível observar a influência da intensificação da produção de leite nas características do cio (Tabela 1). Tabela 1. Características do estro (média ± EP) para vacas de produção leiteira mais baixa (<39,5 kg/dia) ou mais alta (≥39.5 kg/dia) com relação à média do rebanho estudado (Adaptado de Lopez et al., 2004).

a Número de eventos de estro.
b Produção media de leite nos 10 dias anteriores ao cio.
c Número de horas entre o primeiro e ultimo registro de montade um período estral.
d Dias pós-parto quando a informação de comportamento estral foi coletada por radiotelemetria.

Nesse estudo, parte dos animais também foi monitorada por exames ultrassonográficos e coletas de sangue, tanto no dia anterior (n = 34) quanto no dia do estro (n = 71). Assim, foi possível mensurar o diâmetro do maior folículo e a concentração de estradiol circulante. Apesar de o diâmetro folicular ter sido maior nas vacas de alta produção leiteira, a concentração de estradiol foi inferior nesses animais em ambos os dias, o que pode explicar o reduzido tempo de expressão de cio. Em outro estudo em que foram analisadas diversas propriedades norte americanas com gado Holandês (532 rebanhos) e Jersey (29 rebanhos), observou-se um aumento da produção leiteira dos rebanhos ao longo dos anos (expressa pelas barras verticais da Fig. 2), acompanhada pelo aumento do número de dias em aberto (Fig. 3) e do número de serviços por concepção (Fig. 4) e pela redução das taxas de concepção (representada pelas linhas da Fig. 2).

Figura 2. Evolução do número de serviços por concepção de vacas Holandesas (532 rebanhos) e Jersey (29 rebanhos) ao longo dos anos (1976 a 1999; adaptado de Washburn et al., 2002).

 Figura 3. Evolução do número de dias em aberto de vacas Holandesas (532 rebanhos) e Jersey (29 rebanhos) ao longo dos anos (1976 a 1999; adaptado de Washburn et al., 2002).

 Figura 4. Evolução do número de serviços por concepção de vacas Holandesas (532 rebanhos) e Jersey (29 rebanhos) ao longo dos anos (1976 a 1999; adaptado de Washburn et al., 2002).   Os estudos acima evidenciam que a modernização dos rebanhos leiteiros tem resultado em aumento da produção de leite dos animais e redução da eficiência reprodutiva. Foi mostrado que nas vacas de alta produção, os níveis circulantes de estradiol estão reduzidos. Acredita-se que a maior metabolização hepática de hormônios reprodutivos (como a progesterona e o estradiol) pode estar relacionada com a presença de folículos maiores, menor concentração de estradiol e menor duração e intensidade do estro. Além disso, foi observado maior número de dias em aberto e de serviços por concepção e diminuição da taxa de concepção nesses animais. Esses estudos em conjunto são mais um indicativo que ao longo de muitos anos a seleção genética do gado leiteiro foi realizada quase que exclusivamente considerando-se características de conformação e produção leiteira. Com isso, outras características importantes como as reprodutivas foram ignoradas, resultando em gerações com maior potencial leiteiro, porém menor eficiência reprodutiva. Assim, fica evidente que a escolha exclusiva de uma ou duas característica pode levar ao detrimento de tantas outras características de suma importância com reflexos negativos mais tardios. Portanto, deve-se utilizar um sistema de seleção de animais baseado em um conjunto de característica que possibilitem a harmonia entres todos os objetivos almejados pelo produtor.  

 

Literatura complementar:

Butler, W.R., 1998. Review: Effect of protein nutrition on ovarian and uterine physiology in dairy cattle. J. Dairy Sci. 81, 1874–1882.

Fonseca, F.A., Britt, J.H., McDaniel, B.T., Wilk, J.C., Rakes, A.H., 1983. Reproductive traits of Holsteins and Jerseys. Effects of age, milk yield, and clinical abnormalities on involution of cervix and uterus, ovulation, estrous cycles, detection of estrus, conception rate, and days open. J. Dairy Sci. 66, 1128–1147.

Harrison, R.O., Ford, S.P., Young, J.W., Conley, A.J., Freeman, A.E., 1990. Increased milk production versus reproductive and energy status of high producing dairy cows. J. Dairy Sci. 73, 2749–2758.

Harrison, R.O., Young, J.W., Freeman, A.E., Ford, S.P., 1989. Effects of lactational level on reactivation of ovarian function, and interval from parturition to first visual oestrus and conception in high-producing Holstein cows. Anim. Prod. 49, 23–28.

Lopez, H., Satter, L.D., Wiltbank, M.C., 2004. Relationship between level of milk production and estrous behavior of lactating dairy cows. Anim. Reprod. Sci. 81, 209–223.

Washburn, S.P., Silvia, W.J., Brown, C.H., McDaniel, B.T., McAllister, A.J. 2002. Trends in Reproductive Performance in Southeastern Holstein and Jersey DHI Herds. J. Dairy Sci. 85, 244–251.

 

Roberta Machado Ferreira e Henderson Ayres

Departamento de Reprodução Animal, FMVZ-USP, São Paulo, Brasil

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