Artigos - Novo olhar sobre a cocciciose suína

14 set 2021

Novo olhar sobre a cocciciose suína

A Coccidiose é um dos grandes desafios enfrentados pelos suinocultores de todo o mundo. Apesar de ser uma doença já de grande conhecimento na fase de lactação, muitas vezes está presente mesmo sem trazer sinais clínicos evidentes, apresentando-se de maneira subclínica. Por este motivo, em muitos casos acaba sendo negligenciada quando comparada a outros desafios entéricos, os quais geram um senso de urgência maior, em função de grande parte levarem a quadros de desidratação e, em alguns casos, à óbito. Por sua vez, a coccidiose, quando não associada a outros agentes, causa, somente, redução de desempenho, sendo considerada como um dos desafios de maior impacto econômico na produção de suínos.

Causada pelo protozoário intracelular Cystoisospora suis, é uma enfermidade que acomete principalmente leitões de 5 a 15 dias de idade, que podem apresentar diarreia fétida, amarela a acinzentada, cremosa a pastosa. A dispersão desse parasita para o ambiente ocorre muito rapidamente, considerando o período pré-patente de cerca de 3-5 dias, e o período de esporulação que ocorre, em média, em 12 horas.

A sintomatologia típica normalmente é visualizada nos leitões lactentes. Contudo, mesmo sem os sinais clínicos, os leitões desmamados ainda podem liberar oocistos para o ambiente, contribuindo para a disseminação do agente na granja, já que a principal forma de infecção se dá por meio da ingestão destas estruturas presentes no ambiente. Por serem muito resistentes, os oocistos podem permanecer durante meses ou até anos viáveis em matéria orgânica, resto de alimentos, entre outros, fazendo com que leitegadas possam ser infectadas por oocistos remanescentes de leitegadas anteriores.

A característica do agente, aliada à constante redução de mão de obra em granjas em função do alto custo, fez com que a coccidiose voltasse a ganhar importância, entretanto, em um momento mais tardio. Isto porque, atualmente, quase todas as granjas utilizam o toltrazuril como forma de prevenção em dose única entre o 3º e 4º dia de vida.

Este alto desafio tardio observado em granjas, explica, em parte, que além de um controle pelo fornecimento preventivo do toltrazuril, há concomitantemente a necessidade de controle por meio de limpeza e desinfeção adequados, a qual sabemos ser falha em grande parte das granjas, fazendo com que os animais não se reinfectem. Isto é importante, uma vez que se sabe que dentro da população de leitões há uma distribuição de proteção, havendo animais já com quadros diarreicos, leitões mais fracos e aqueles de fato que ficam protegidos. Portanto, é importante que no momento da administração do medicamento, haja uma “leitura” do ambiente, no sentido de observar se o lote a ser administrado o produto está desafiado por algum outro agente, se há um maior percentual de filhos de leitoas/marrãs, se a granja pratica um manejo adequado de limpeza e desinfecção e se fazem vazio sanitário. Todas essas informações passam a ser muito importantes, no sentido de avaliar uma granja com baixo, médio ou alto desafio. Além disso, é importante destacar que existem desinfetantes com maior ou menor grau de eficácia frente aos coccidios. Mais recentemente foi observado que produtos à base de clorocresol (p-chloro-m-cresol), da classe dos fenólicos sintéticos se mostraram eficazes contra Cystoisospora suis, enquanto aqueles liberadores de oxigênio e à base de amônia quaternária e glutaraldeído foram pouco efetivos.

Coletas realizadas nos últimos anos, tem demonstrado um perfil mais tardio de desafio, com a presença do Cystoisospora suis em maior proporção em fezes de leitões com idade média de 12 a 21 dias (Tabela 1). Isto evidencia que leitões mesmo tratados preventivamente com toltrazuril, acabam se reinfectando e desenvolvendo a coccidiose em função da alta pressão de infecção do ambiente. Na tabela abaixo é possível verificar um aumento expressivo do desafio de coccidiose nas segunda e terceira semanas de lactação. Isto corrobora com o descrito acima, demonstrando que os leitões estão se reinfectando em função de uma alta pressão de infecção ambiental.

Esta manifestação entérica mais tardia também vem sendo observada em outros países. Um estudo recentemente publicado detalhou a ocorrência de diarreia e excreção de oocistos em 230 leitegadas oriundas de 23 granjas situadas na Bélgica e Holanda. Foram feitas duas amostragens, a primeira aos 12 dias de vida, e a segunda, aos 16 dias. Na primeira coleta, 7,0% das amostras eram diarreicas e 16,1% continham oocistos, enquanto na segunda, 8,7% das amostras eram diarreicas e 26,5% continham oocistos. Outro estudo muito similar demonstrou situações semelhantes em 49 granjas situadas na Áustria, República Tcheca, Alemanha e Espanha, onde foram coletadas duas amostras de fezes de 603 leitegadas, na segunda e terceira semanas de vida. A diarreia foi detectada pela pontuação das amostras fecais em 9,6% das leitegadas e 53,1% das granjas, respectivamente, em pelo menos uma das amostras. Neste estudo 71,4% das granjas e 50,1% das leitegadas foram positivas para o C. suis.

Portanto, nestes casos, uma segunda dose entre o 7º e 8º dia de toltrazuril é indicada, com o objetivo de reduzir chance de reinfecção. Isto se justifica, pois o investimento feito pelo fornecimento do produto quando comparado ao prejuízo econômico que a doença traz, pode chegar em torno de 27% por leitão acometido, pensando que esta redução ocorre na maternidade, muito provavelmente o potencial de ganho deste leitão estará comprometido ao longo de toda sua vida subsequente.

Entretanto nada disso adianta, caso a qualidade do ambiente relacionado à limpeza e desinfecção não seja melhorada. Portanto, granjas que tenham um alto desafio ainda na terceira semana, é importante que sejam revistos estes manejos para que sejam aprimorados, e então, reduzam a ocorrência destes quadros.

Tabela 1. Dados de análises laboratoriais realizadas nos últimos 3 anos para coccidiose

Dados de análises laboratoriais realizadas nos últimos 3 anos para coccidiose

 

Referências: 1-JOACHIM, A., SHRESTHA, A., 2020. Coccidiosis of pigs. In: Dubey, J.P. (Ed.), Coccidiosis in Livestock, Companion Animals and Humans. CRC Press, Taylor and Francis, Boca Raton, Florida, pp. 125–145. 2-JOACHIM, A., SCHWARZ, L., HINNEY, B., RUTTKOWSKI, B., VOGL, C., MUNDT, H.C., 2014. Which factors influence the outcome of experimental infection with Cystoisospora suis? Parasitol. Res. 113, 1863–1873. https://doi.org/10.1007/s00436-014-3834-8. 3-HINNEY, B.; SPERLING, D.; KARS-HENDRIKSEN, S.; MONNIKHOF, M. O.; COLEN, S. V.; WOLF, P. V. D.; JONGHE, E. D.; LIBBRECHT, E.; DE-BACKER, P.; JOACHIM, A. Piglet coccidiosis in Belgium and the Netherlands: Prevalence, management and potential risk factors. Veterinary Parasitology: Regional Studies and Reports. v. 24, 2021. 4- HINNEY, B.; CVJETKOVIC, V.; ESPIGARES, D.; VANHARA ,J.; WAEHNER, C.; RUTTKOWSKI, B.; SELISTA, R.; SPERLING, D.; JOACHIM, A. Cystoisospora suis control in Europe is not always effective. Front. Vet. Sci. v. 7, p.113, 2020. doi:10.3389/fvets.2020.00113 5-MUNDT, H. C.; MUNDT-WÜSTENBERG, S.; DAUGSCHIES, A.; JOACHIM, A. Efficacy of various anticoccidials against experimental porcine neonatal isosporosis Parasitology Research, v.100, p. 401–411, 2007. 6-PANZARDI, A.; GAGGINI, T.S.; NUNES, R.F.; ALMEIDA, F.R.C.L.; SILVA, A.; REZENDE, M.L.R. Avaliação do desempenho de leitões tratados preventivamente com toltrazuril no terceiro dia de vida. Anais Abraves, Campinas, XVII Congresso da ABRAVES, 2015. 7-SOBESTIANSKY, J.; BARCELLOS, D.E.S.N. Doenças dos Suínos, 2 ed., Goiânia: Cânone Editorial, 2012. 8-SOTIRAKI, S.; ROEPSTORFF, A.; NIELSEN, J. P.; MADDOX-HYTTEL, C.; ENØE, C.; BOES, J.; MURRELL, K. D.; THAMSBORG, S. M. Population dynamics and intra-litter transmission patterns of Isospora suis in suckling piglets under on-farm conditions. Parasitology, v. 135, p. 395–405. 2008. 9-WORLICZEK, H. L.; GERNER, W.; JOACHIM, A.; MUNDT, H. C.; SAALMÜLLER, A. Porcine Coccidiosis – Investigations
on the Cellular Immune Response against Isospora suis. Parasitology Research, v. 105, p. S151–S155, 2009. 10-WORLICZEK, H. L.; MUNDT, H. C.; RUTTKOWSKI, B.; JOACHIM, A. Age, not Infection dose, determines the outcome of Isospora suis infections in suckling piglets. Parasitology Research, v. 105, p. S157–S162, 2009.

Andrea Panzardi e Marcela Silva

DEPARTAMENTO TÉCNICO OUROFINO SAÚDE ANIMAL

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